sexta-feira

A SAMICO


Minha homenagem ao admirado Gilvan Samico (nascido em 1928), falecido nesta segunda-feira, 25 de novembro.

"Alexandrino e o pássaro de fogo", xilogravura de Samico (1962). 42,7x51,7 cm. Foto de João Liberato.

Mais sobre ele, e fonte da imagem: AQUI.

A xilogravura ilustra a capa do primeiro disco do Quinteto Armorial: "Do romance ao galope nordestino" (Discos Marcus Pereira, 1974).

Faziam parte do Quinteto: Antonio Madureira (viola nordestina), Antonio Carlos Nóbrega (rabeca e violino), Egildo Vieira (flautas), Edilson Eulalio (violão) e Fernando Torres Barbosa (marimbau nordestino).


AQUI: Ouça o Quinteto Armorial tocando "Mourão", de César Guerra-Peixe e Clóvis Pereira.

domingo

JOÃO PERNAMBUCO E HEITOR VILLA-LOBOS


João Pernambuco e Heitor Villa-Lobos: dois músicos distintos, dois universos que se opõem e se refletem. Ambos intuitivos e guiados pela curiosidade. Ambos formados pela vivência de sua arte.

João Teixeira Guimarães (1883-1947), natural de Jatobá (atual Petrolândia), no sertão pernambucano, viveu sempre humildemente. Aprendeu a cantar e pontear a viola nas feiras do Recife, com os violeiros e os cantadores. Observava, ouvia. Heitor Villa-Lobos (1887-1959), carioca, teve a formação básica em música com seu pai. De espírito aventureiro, fugia de casa para freqüentar serestas e rodas de choro, no tempo em que isso dava cadeia. Nessas aventuras, aprendeu muita coisa. A série monumental dos Chôros é o testemunho mais próximo disso, bem como a música para violão.

João mudou-se para o Rio de Janeiro em 1904, após a morte de sua mãe. Foi lá que recebeu o apelido de “Pernambuco”. A vida era difícil de ganhar: trabalhava como operário. Por outro lado, nas rodas de choro e serestas, tornou-se célebre, fazendo amizade com Pixinguinha, com o qual integrou o conjunto Os Oito Batutas, Donga, Catullo da Paixão Cearense e Villa-Lobos.

Villa-Lobos era grande amigo e admirador do violonista pernambucano. Em declaração cedida a Hermínio Bello de Carvalho, em 1957, afirmava que “Bach não se envergonharia de assinar seus estudos [de João Pernambuco]”. A referência aqui é a Johann Sebastian Bach (1685-1750),  compositor barroco alemão, de melodias expressivas que deram a Villa-Lobos a inspiração para a série das nove Bachianas Brasileiras, com várias formações instrumentais. Realmente, Bach se encantaria com a alma sentida das melodias e harmonias de João Pernambuco, que são verdadeiros achados. O violão é explorado de forma muitas vezes inusitada, utilizando cordas presas e soltas, associadas a acordes fixos deslocados cromaticamente. Exemplo disso é o seu choro Brasileirinho:

João Pernambuco: Brasileirinho, c. 17 a 20. (Ed. Turibio Santos)

João é autor de canções de ouro, como Luar do Sertão e Estrada do Sertão (esta última com letra de Hermínio Bello de Carvalho, colocada anos mais tarde). Melodias populares de beleza rara. Beleza comum à música cantada de Villa-Lobos. Exemplo inesquecível: a Bachiana Brasileira n. 5, escrita para orquestra de violoncelos e soprano. A Ária, primeiro movimento da Bachiana, foi transcrita para canto e violão pelo compositor a pedido de Olga Praguer Coelho. O interessante é que o pizzicato dos celos durante toda a música em sua versão original já sugere um acompanhamento de violão. (Vide: SANTOS, 1975, p 54).

A música para violão solo de Villa-Lobos, como a de João, também possui “achados” técnicos, bem como uma emoção contida. Um exemplo disso são os Estudos, de 1928, e os Prelúdios, de 1940. A mesma idéia de usar cordas soltas e presas e posições fixas que deslocadas criam novos acordes, é vista em toda sua música para violão:


 Villa-Lobos: Estudo n. 1, c. 15 a 18. (Manusctiro do compositor)

Dois grandes músicos, duas expressões de poesia e vida. A música de ambos merece ser ouvida e tocada pela sua beleza e riqueza.

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Veja aqui mais sobre Villa-Lobos:

E sobre João Pernambuco:

Ouça:

 

De João Pernambuco

João Pernambuco e Zezinho, violões, interpretam Magoado. Gravação de 1929.

Alaíde Costa canta Estrada do sertão.
http://www.youtube.com/watch?v=zUn4jyCm0LU


De Villa-Lobos

Villa-Lobos, violão, interpreta seu Chôro nº 1.
http://www.youtube.com/watch?v=UZkEYK4WKKg&feature=related

Fábio Zanon, violão, interpreta o Estudo nº 1.
http://www.youtube.com/watch?v=xHGWBeCVGcM

Amel Brahim, soprano,
e Orchestre Du Violon sur Le Sable,
interpretam a Ária (primeiro movimento) da Bachiana Brasileira nº 5.

http://www.youtube.com/watch?v=NxzP1XPCGJE

Nana Mouskouri, soprano,
e John Williams, violão,
interpretam a Ária (primeiro movimento) da Bachiana Brasileira nº 5.

http://www.youtube.com/watch?v=CdXXQBd--4M

Turíbio Santos, violão, interpreta o Concerto para violão e orquestra.
http://www.youtube.com/watch?v=6mDmCnAwBEk&feature=relmfu

 
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Discografia

SANTOS, Turíbio. Chôros do Brasil. Rio: Tapecar, [1977].

SANTOS, Turíbio; Orquestra de Câmara de Jean-Fraçois Pallard. Concerto pour guitare et orchestre... França: Erato 1970

ZANON, Fabio. Villa-Lobos: Obra completa para violão solo. Rio: Biscoito Fino, [2010].

ADOLFO, Antonio (piano); Nó em pingo d’água (conjunto). João Pernambuco: 100 anos. Rio: FUNARTE, [1983]. Coleção Projeto Almirante.


Bibliografia

LEAL, José de Souza; BARBOSA, Artur Luiz. João Pernambucano: arte de um povo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982.

TAUBKIN, Myriam (org.). Violões do Brasil. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2007.

SANTOS, Turíbio. Heitor Villa-Lobos e o violão. Rio: Museu Villa-Lobos, 1975.

PEREIRA, Marco. Heitor Villa-Lobos: sua obra para violão. Brasília: Musimed, 1984.