quinta-feira

PARA DÉRCIO MARQUES, VIOLEIRO.


 Foto da contracapa do disco Canto forte: Coro da primavera, de 1979.

Só é cantador quem traz no peito 
o cheiro e a cor de sua terra, 
a marca de sangue de seus mortos 
e a certeza de luta de seus vivos...

François Silvestre, cantador.

Dércio Marques encantou-se em 26 de junho. Deve estar hoje, quase um mês depois, cantando, já entrosado, com São Gonçalo nas paragens do céu, para além da consciência e da consistência. De cantar, violeiro nenhum para, mesmo desencarnado do frágil corpo terreno. Nunca.

Dércio Marques é pra mim uma figura especial.

Eu, em menino, ouvia um disco: Criança faz arte, de Doroty e Dércio Marques, em que ele cantava Pega-pega, de Paulo Gomes. Essa música nunca saiu da minha cabeça, e sempre estava presente nas coisinhas mais divertidas que eu fazia. Em todas as brincadeiras, lá estava cantando:

Entardeceu,
Ai que vontade de brincar de pega-pega,
De macaca,
De comer goiaba,
De trepar no muro,
De soltar uma raia...

E eu era aquele menino, me sentia o próprio cantor.

Anos mais tarde, conhecendo a música de Elomar, vim encontrá-lo na gravação, de 1983, do Auto da Catingueira, do poeta baiano. E me lembrei do disco que eu ouvia quase até furar! E (re)descobri esse “malungo alegre, de alma manêra”. E redescobri o disco. Resgatei o disco de mãos maldosas. Quem quiser saber a história, só falando comigo, que é longa.

A impressão que tenho de Dércio é de uma voz de amigo, voz de abraço forte de num largar mais, voz que tinha pra dizer de coisa boa, de conversa, de amores, de tristeza,  tudo com uma firmeza e honestidade espantosa e natural.

Que pena que não o vi de perto. Talvez cantássemos juntos! Talvez cantemos, sim; no dia (espero que tarde) em que, como ele, me encantar, me desencantar desse mundo. Me esfarelar desse chão.

Mas ninguém me deixou
E eu nem pude brincar.

 *

Ouça Dércio Marques cantando:

Canto do Ipê amarelo (Roda gigante), de João Bá.

Riacho de areia / Beira-mar.

Serra da Boa Esperança, de Lamartine Babo.
http://www.youtube.com/watch?v=uOw3ux0qt1o

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3 comentários:

Tito disse...

"Mas morte num deixa
Tenho que me enterrar
Ô mamãe deixa eu ir
Ô patrão deixa eu ir
Ô doutor deixa eu ir
Ninguém me deixou
E eu não pude brincar..."

Parabéns Lucas, o malungo onde ele estiver ficaria grato.

Tito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria Oliveira disse...

Bela homenagem, Lucas! Dércio faz parte das nossas vidas, sempre. lembro muito dos nossos dias no interior, onde você crescia e houvia Dercio, Doroty, Antônio Nóbrega, desenhava...